quarta-feira, 18 de outubro de 2017


RESENHA DO LIVRO "A NOVA ERA E A REVOLUÇÃO CULTURAL: FRITJOF CAPRA E ANTÓNIO GRAMSCI"

     Como o título diz, este é mais típico livro de seu criador, Olavo de Carvalho, quero dizer: mais um livro a propagar suas típicas teorias da conspiração infundadas, nomeadamente contra os comunistas (ou quem ele acha que seja comunista, a rigor, qualquer um que não seja reacionário). Neste livro, o primeiro da trilogia, seguido por "O Jardim das Aflições" e "O Imbecil Coletivo", ele já revela a base das principais paranoias que sustenta sua "filosofia". No entanto, em um esforço para não parecer só mais um simples maluco paranoico como tantos outros da época, como Bruno Tolentino, Paulo Francis e outros, ele utiliza o recurso de começar escolhendo a esmo um famoso qualquer, no caso Fritjof Capra, e acusá-lo de qualquer coisa, ainda que sem pé nem cabeça, somente para introduzir o verdadeiro assunto em sua mente.
      Fritjof Capra, para quem não sabe, é um físico austríaco, famoso por seus livros "O Tao da Física" e "Ponto de Mutação", nas quais ele basicamente apresenta semelhanças entre a física ocidental (tradicional e quântica) e as filosofias orientais como budismo e taoísmo, em conceitos como o nada, o caos etc. baseado nisso, ele propõe a superação do modelo cartesiano, isto é, ter uma visão segmentada e repartida do todo em partes para analisá-lo melhor (divida o conhecimento humano em várias áreas como fisica e química e se especialize em algo ) e a adoção de um novo modelo, denominado holista, na qual será mais eficiente ter uma visão ampla sobre o todo e nem tanto em dividí-lo em partes (não tente separar rigidamente uma ciência da outra, tente entendê-las como coisas que se relacionam entre si, exemplo a físico-quimica que estudamos no ensino médio). É o que, em ciências, chamamos paradigmas.
      Olavo de Carvalho, obviamente sem entender bulhufas do que Capra propõe, por não ter estudado esses assuntos, pois evadiu-se da escola no ensino fundamental, chama capra de "profeta" porque, alega ele, "O sr. Capra, como se vê, pouco entende dos assuntos em que exerce, para um público multitudinário, uma autoridade profética. Ele prima pela carência de informação elementar sobre a cosmologia chinesa, na qual diz basear sua visão da história cultural, bem como sobre a história cultural mesma, que ele procura, mediante generalizações grosseiras, e escandalosas alterações da cronologia, encaixar à força num modelo preconcebido. Não questiono, aqui, a validade da proposta holística em geral. Reservo-me o direito de fazê-lo num outro trabalho. Apenas creio que ela deve ter defensores um pouco mais qualificados do que o sr. Capra." (pg. 20). E é isso: a refutação é basicamente uma falácia ad hominem contra Fritjof Capra, nem chega a triscar no essencial das ideias dele. Argumentação tipicamente olaviana.
      Mas o pobre Capra era apenas uma isca. O verdadeiro conteúdo, o que de fato ele queria vender (literalmente) era o assim chamado "grasmcismo". Ideia diretamente importada da extrema-direita norte-americana, provavelmente do macartismo dos anos 40 e 50, o "gramscismo", na versão tupiniquim adaptada por Olavo, seria um sinistro plano "esquerdista" de infiltração em várias áreas consideradas estratégicas, como na educação e TV. Nas palavras do dito cujo: "Gramsci exige que toda atividade cultural e científica se reduza à mera propaganda política (marxista), mais ou menos disfarçada." (pg 28). Trocando em miudos: haveria um plano sigiloso, da "esquerda", da qual ninguém saberia, exceto ele, claro, o cara mais inteligente da face da terra, de acordo com seus discípulos, cujo objetivo seria fazer "uma gigantesca operação de lavagem cerebral, que deve apagar da mentalidade popular, e sobretudo do fundo inconsciente do senso comum, toda a herança moral e cultural da humanidade, para substituí-la por princípios radicalmente novos, fundados no primado da revolução e no que Gramsci denomina "historicismo absoluto" (pg 27). Todos nós estaríamos sendo "doutrinados" com o "esquerdismo" (ele jamais define o que é o "esquerdismo" mas, analisando seus outros livros, dá pra dizer que, pra ele, significa qualquer coisa que ameace a conservação do status quo racista, machista, xenófobo, misógino etc da sociedade, por isso ele é conservador, aquele que quer conservar este status quo de qualquer maneira pois o racismo​, o machismo, a xenofobia, a misoginia etc o beneficia), passando por uma lavagem cerebral feita pelos "esquerdistas", de forma sutil, a fim de irmos aceitando horríveis princípios "esquerdistas" como mulher ser tratada igual ao homem, o negro ser tratado com o mesmo respeito com que se tratam os brancos, o gay ter o mesmo direito de se casar no civil como os héteros etc. Não é à toa que ele é o guru intelectual da playboyzada racista, machista, misógina e paranóica que temos: ele fala exatamente aquilo que eles querem ouvir, sem essa de fazer refletir como a intelectualidade brasileira vive tentando fazer, aliás, alvo predileto de ataques dele.
      Não há muito mais o que falar desse livro: sim, o livro é uma porcaria mesmo. Se você for do tipo que curte teorias da conspiração como "pepsi é feita de fetos abortados", vá em frente, este é seu livro. Senão, não desperdice seus preciosos neurônios com ele. Vá ver estrelas ao invés disso.
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