terça-feira, 1 de julho de 2014

A religião e a igreja: especulações sobre o relacionamento destas com o pensamento comtemporâneo 

Muita gente costuma confundir o conceito de religião e igreja, trocando um pelo outro. São diferentes. Igreja é um termo aplicado exclusivamente ao cristianismo. Ninguém fala em "igreja sufista" no islamismo, mas "seita", "ramificação" ou qualquer outra coisa equivalente. Igreja, e seus equivalentes, é um conjunto de pessoas que professam doutrinas mais ou menos idênticas entre si. Há um certo grau de coesão. Assim, existe a igreja católica, com um conjunto mais ou menos coeso de doutrina sobre a torá, a bíblia judaica, e seu messianismo. Porém, não há uma doutrina única e idêntica em todo lugar, o que há é uma doutrina "oficial", aquela do catecismo, e outras "piratas", que saem fora do catecismo, ou pelo menos assim são consideradas pelo grupo dominante dentro dela. Já houveram inumeras doutrinas diferentes dentro do catolicismo, e ainda há, como a teologia da libertação. Leonardo Boff, por exemplo, se considera católico, mas muitos não o consideram. Isso é igreja. Religião é a reunião de várias igrejas, com determinados princípios também mais ou menos comuns, de modo que dê pra agrupá-las. Portanto, o que há é uma religião cristã, mas várias igrejas como a católica, a assembleia, TJ etc. Mas, se dentro da igreja, há divergências entre princípios e crenças, muito mais há na religião. Os testemunhas de jeová não acreditam na divindade de Jesus, mas a igreja batista sim. O mesmo se dá com outras religiões, como a muçulmana, que tem xiitas, sunitas, drusos etc, que seriam o equivalente de nossas igrejas aqui no mundo cristão.
Nesse sentido, religião é um importante campo do conhecimento humano, mas não confundam, conhecimento aqui não equivale a uma certeza absoluta, como o senso comum geralmente encara, a religião foi uma das tentativas, talvez a mais antiga, da humanidade em reconhecer e controlar as forças naturais e a si mesmo. Obviamente, olhando com os olhos de hoje, pode parecer bastante primitivo a explicação de Tomás de Aquino sobre o sêmen, já que temos hoje a biologia que a explica muito bem. Porém, foi uma tentativa válida, e que contribuiu em sua época, para que tivéssemos a explicação científica correta como hoje. A religião pode ser considerada a infância da ciência e irmã da filosofia, da mesma forma que ninguém se considera um imbecil porque, quando criança, acreditava que o o irmão tinha vindo no bico da cegonha. Era apenas uma forma "primitiva" de conhecimento sobre a reprodução humana, plenamente válida naquela época. É nesse sentido que Nietzsche diagnosticou a "morte de Deus", Deus esse enquanto explicação última para o funcionamento da natureza, agora substituído pela ciência.
Porém, não podemos cair no erro do cientificismo, a saber, considerar a ciência como detentora de uma(s) verdade(s) total(is) e absoluta(s). Fazer isso equivaleria a concordar com o fanatismo religioso, cujo fundamento é exatamente esse, a absolutização da religião enquanto única verdade, logicamente a dele. Tudo que sabemos cientificamente falando corresponde a cerca de 2% do universo. O resto é chamada matéria escura, do qual nada sabemos ainda. É aí que entra o sobrenatural. Sobre + natural, significa além do natural, além do que conhecemos como mundo natural, algo que nós não conhecemos. Tudo que nós não sabemos pode ser dito como sendo "sobrenatural". Assim, por exemplo, a composição das estrelas poderia ser considerada sobrenatural, mas se tornou natural quando passamos a ter condições de afirmar, com grande grau de certeza, do que elas são compostas.
O que podemos ainda aprender com a religião, ao meu ver, é exatamente essa noção do para-além do conhecido, por definição não sabemos o que não conhecemos, e a religião "dá um chute" do que pode ter por lá, sem qualquer base senão a fé que, na definição da carta aos hebreus, "fé é o fundamento da esperança, é uma certeza a respeito do que não se vê", isto é, basicamente um "chute". Ela nos lembra sempre que somos limitados em nosso conhecimento. Se é certa a resposta, logo o tempo e nossas investigações responderão. Mas sempre é importante nunca esquecermos que, por mais avançados que somos, é muito provável que nós jamais consigamos conhecer tudo, e portanto podemos esperar tudo do desconhecido, não os deuses criados até hoje pelo ser humano, cujas inconsistências lógicas saltam aos olhos, impossibilitando-os de existirem, mas talvez algo próximo ou não do que costumamos chamar de deus. Enfim, mesmo depois de tanto tempo, Sócrates e seu "só sei que nada sei" ainda nos está pegando.

Eduardo Viveiros.
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