sábado, 26 de julho de 2014

O Califado Evangélico

     Deu na TV um dia desses que o chefe da Igreja Universal, Edir Macedo, está prestes a construir uma réplica "bíblica" do templo de Salomão, aquele famoso templo mencionado no livro primeiro de Reis. Também passou outra notícia, dessa vez no Oriente Médio, de que um grupo terrorista denominado Estado Islâmico do Iraque e Levante (EIIL) tomou partes do território da Síria e do Iraque, mudou seu nome para Estado Islâmico e seu líder, Abu Bakr Al-Bagdhadi, declarou-se "califa".
     O que é um "califa"? é um título honorífico do mundo muçulmano, conferido ao governante de um estado islâmico regido pela Sharia, a lei islâmica. Ele deve ser descendente do profeta Maomé, para os xiitas, ou legítimo sucessor, fosse parente ou não, para os sunitas. Em outras, palavras, califa seria, grosso modo, o que o imperador do sacro império romano-germânico foi no ocidente, isto é, o representante de Deus na Terra para governar o Estado, o mundo secular. Se ele é o representante de Alá na terra, então todos os muçulmanos, por suposto, tẽm o dever de obedecê-lo, daí porque ele exigiu que todos os islâmicos fossem jurar obediência a ele. O último califa reconhecido pela generalidade do mundo islâmico foi o califa Abdul Mejid II, o último sultão do Império Otomano, hoje república da Turquia.
      Ora, e o que têm a ver Edir Macedo com isto tudo? simples. Há um gigantesco simbolismo nesse templo evangélico. O templo de Salomão era considerado o lugar mais sagrado do judaísmo, e o rei que o construiu, Salomão, passou à história como o modelo de rei ideal, o mais importante de todos os reis israelitas, o messias (do hebraico moshiach, significando "ungido", assim era aplicada originalmente esta palavra, como um título real). Reconstruindo o templo de Salomão, a mensagem de Edir Macedo é clara: doravante, todo o simbolismo do templo de Salomão foi restaurado. Assim como o antigo templo, o novo deve ser e será o principal templo cristão de todo o Brasil (ele é 4 vezes maior que a basílica de Aparecida). Assim como Salomão, o novo Salomão, aquele que é o ungido do Senhor, o mais sábio entre os homens, também ressurgiu, e atende pelo nome de Edir Macedo. Não há modéstia aqui: Este templo simboliza a reivindicação cabal da liderança sobre todo o mundo evangélico, quiçá sobre todo o mundo cristão no país. Portanto, da mesma forma que ao califa Al-Bagdhadi, é exigida obediência incondicional ao novo Salomão por parte de todos os evangélicos, da mesma forma que todo Israel devia curvar-se às ordens do rei dos reis, único e legítimo representante de Deus na terra, aquele que é apto a guiar o novo Israel, assim como o califa, diretamente escolhido por Deus para reinar e trazer o reino de Deus. E, assim como Al-Bagdhadi, está iniciado um novo califado, uma nova era no meio religioso evangélico. Aquela barba é um sinal disso: ele disse que era um voto em favor da construção do templo, mas é inegável que é uma tentativa de capturar esta imagem de Salomão, o personagem o qual todos lembram imediatamente de um senhor velho e barbudo, como todos os profetas do antigo testamento. É um grande teatro, na verdade.
     Ambos os dois, o califado islâmico e o retorno do monarca ungido pelo Senhor com seu templo, marcam um ponto de viragem. Com efeito, ambos os acontecimentos são o símbolo da ingerência cada vez maior da religião na política, no oriente com o fundamentalismo islâmico, e no ocidente com o fundamentalismo cristão. Onde isto vai nos levar? não há como saber. Mas atenção: é o tipo de acontecimento sem muita repercussão na hora hodierna, mas histórico no futuro. Então, gravem bem na memória, será muito útil para entendermos nosso futuro, seja ele sombrio ou luminoso.

Eduardo Viveiro, filósofo
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