sábado, 6 de setembro de 2014

                                             O Poder do Voto Nulo

    Frequentemente, ataca-se o voto nulo como uma opção inválida de voto. Diz-se que ele é inútil, pois nenhum resultado fará na contagem dos votos, ou diz-se que ele na verdade é um auxílio à eleição de ladrões na política. Portanto, não passa de burrice e besteira. O que tem de verdade nisso tudo?
    De fato, o voto nulo é inútil no sistema eleitoral brasileiro; ele não conta como voto válido, assim como a opção "branco". Portanto, não importa a quantidade de votos brancos e nulos, se houver um único voto válido que seja, esta eleição será considerada válida. Tal diz a lei. E daí? devemos lembrar que esta regra foi criada pelos políticos e para os políticos, obviamente visando seus interesses pessoais. Então, eles não poderiam se dar ao luxo de deixar uma brecha dessas escancarada por aí, pois o sistema deve ser armado  de tal maneira que não haja qualquer chance de defesa ao eleitor, tal como um homem apunhalado quando jaz caído na terra. Isso explica por exemplo o voto obrigatório, porque se se der chance de ir ou não votar ao eleitor, seria preciso aumentar enormemente o valor das propinas pagas, para "convencê-lo" a ir votar. Obrigando-o, tudo que é preciso é usar de técnicas simples de manipulação, com cartazes, propaganda etc para fazê-lo votar em alguém, porque ele por lei já está arrestado para a urna. O sistema se autopreserva a si mesmo.
    Bom, mas se se está forçado a ir ter com a urna, ao menos temos escolha: podemos votar em alguém ou não. De acordo com alguns, só existe a opção de votar em alguém pois, se não se votar (em alguém), você ajuda a eleger os piores candidatos, pois estará renunciando a esta "opção" de votar em alguém. Que espécie de lógica é esta? primeiro: Em QUALQUER ESCOLHA, existem duas opções: a opção de fazer ou não fazer. Isso é imutável, vale para qualquer escolha. É simplesmente ridículo descartar a opção de não fazer, e exigir validade apenas à opção de fazer. Se qualquer uma dessas duas opções for cortada, então já não é escolha, é obrigação. A Igreja Católica afirma que o celibato clerical é uma "escolha", no entanto, no rito latino, se alguém quiser ser padre, é OBRIGADO a ser celibatário. Como é possível o celibato ser uma escolha se você não têm a opção de ser padre e não-celibatário? torna-se portanto mera obrigação, chamem como quiserem. Da mesma forma o voto: para ser de fato uma escolha, é imprescindível você ter a opção de votar em alguém ou não votar em ninguém. Logo, o voto nulo ou mesmo branco é não apenas justo, como indispensável para uma verdadeira opção consciente.
    Mas, como dito acima, o voto nulo não conta como voto válido, logo na prática é totalmente inócuo. Será? embora a lei formada à revelia do cidadão descarte sua "utilidade", será mesmo "inútil"? digo que não. Ainda que tenham despojado o voto de qualquer consequência prática, lei alguma pode retirar sua, a meu ver, principal "utilidade": o simbolismo. O simbolismo é dizer: "Ei, eu não concordo com estas escolhas que deram-me para votar, portanto não votarei em ninguém. Melhor ainda, não concordo com o próprio sistema eleitoral e RECUSO-ME A PARTICIPAR." Este é o simbolismo do voto nulo: anulando, você está recusando-se a participar do atual sistema, um sistema no qual os candidatos são dados prontos e acabados, pois foram todos escolhidos pelos partidos, sem qualquer tipo de participação popular verdadeira a não ser a choldra de figurões na convenção. Você se recusa a apenas ter que escolher pessoas que outros (interesses) escolheram para você.  Você se recusa a participar de um sistema eleitoral criado pelo general Golbery do Couto e Silva, esse câncer plantado no coração da democracia na época da ditadura, e que não sofreu qualquer mudança mais substancial em quase 30 anos de liberdade democrática. E, isso, lei alguma pode proibir o simbolismo poderoso do voto nulo, por mais que tentem.
    O voto nulo, portanto, foi mutilado desde o berço por ameaçar todo o sistema eleitoral, feito sob medida para ladrões e malfeitores se perpetuarem na política. Porém, por mais que tentassem, jamais conseguiram retirar o simbolismo dele. Continuamos então com uma escolha, arranhada, mas verdadeira: podemos escolher alguém para ser o salvador da pátria, crendo ingenuamente que o problema está na ética pessoal do candidato, e não num sistema em que, não importa o quão ética é a pessoa, ela é obrigada a ser corromper porque o sistema assim exige, e sermos ingênuos a vida inteira, ou podemos aceitar a dura e fria realidade de que é o sistema, e não as pessoas, que está errada desde o início, sendo portanto "ingenuidade pedir àqueles que detém o poder para que mudem o poder" (Giordano Bruno).

Fontes

O Príncipe, Maquiavel.
Discurso sobre a Servidão Voluntária, La Boétie.
http://super.abril.com.br/cultura/adianta-votar-nulo-446574.shtml
contador de visitas