segunda-feira, 23 de junho de 2014

A Apatia do Eleitor Brasileiro

    Frequentemente, acusa-se o eleitor brasileiro de ser inepto, alienado, nem um pouco preocupado com os destinos políticos do país, sequer lembrando-se em quem votou nas últimas eleições, de não fiscalizar seus próprios representantes, e por fim de não se interessar por política. Mas será mesmo verdade tais acusações? ou melhor: qual a origem do suposto desinteresse da população pelo mundo político?
    Como quase tudo na vida, há uma origem histórica para esse comportamento: não possuimos uma tradição democrática. Isso é fácil de constatar: o atual período democrático brasileiro, chamado Nova República, começou em 1985. Portanto, já lá vão 29 anos de democracia. Este é o maior período de democracia em todos os 192 anos de história do Brasil independente. A imensa maioria do período do Brasil independente passou-se sob a sombra de ditaduras militares, coronelismo, autoritarismo, racismo, nazismo, fascismo, entre outros "ismos". O que isso significou? significou a completa e total exclusão sistemática da imensa maioria da população brasileira de todo o processo político, pois todos estes acontecimentos nunca passaram de meras briguinhas internas entre a elite brasileira a respeito do melhor modo de "conduzir o Brasil ao desenvolvimento", isto é, como ficar mais rico e poderoso enquanto classe. Historicamente, portanto, a política jamais fez parte do cotidiano da imensa maioria da população, sempre foi vista como algo alienígena e estranho, "coisa de gente estudada", como vez por outra vê-se alguém mais velho a falar. O que de facto fazia parte do cotidiano era a necessidade diária de sobreviver, e como conseguir amanhã algo para comer ou beber.
    Isso fica bastante claro ao se olhar a história do voto no Brasil: no período imperial, só podia ser eleitor quem tivesse uma renda mínima de 100 mil réis. Como se pode imaginar, tal quantia era inimaginável para a imensa maioria da população, maioritariamente composta por negros (alforriados ou escravos), índios e brancos pobres, todos completamente analfabetos (outro requisito para ser eleitor), já que a instrução era privilégio da classe rica. No fim do império, estima-se que apenas 10% da população podia votar.
    No período republicano, nada mudou: O primeiro presidente civil da história do Brasil, Prudente de Morais, foi eleito com 270 mil votos, ou 2% da população. Somente no início do século XX, haveria uma tímida mudança na quantidade de eleitores com o direito ao voto feminino conquistado em 1932 pelo movimento feminista (ainda hoje encontrando forte oposição, e muitas vezes chamadas de "feminazis" pelos conservadores, que jamais digeriram bem esta história de igualdade sexual). Porém, não nos iludamos: numa das últimas eleições brasileiras, Jânio Quadros foi eleito com uma "incrível" marca de 6 milhões de votos, que representava cerca de 10% da população, a mesma porcentagem da do final do império. Somente com a constituição cidadã de 1988, é que o direito ao voto foi, pela primeira vez, ampliado de tal maneira que, agora, de facto, a maioria da população brasileira pode ser considerada eleitor, e exercer, pela primeira vez na vida, o direito a interferir na política com o voto. As primeiras eleições gerais em que esse novo eleitorado exerceu tal direito foram em 1990, quando foi eleito o fatídico Collor, o mesmo que foi líder de um esquema de corrupção famoso no palácio do Planalto, e hoje é senador.
    1990: faz então 24 anos de lá pra cá. A imensa maioria das pessoas hoje já era nascida por essa época (inclusive este que vos escreve). Em 24 anos, é impossível criarmos uma tradição democrática sólida, que só é possível quando formarmos duas ou mais gerações no pensamento democrático. Não tivemos ainda tempo hábil para isso. Frequentemente compara-se o Brasil com países como EUA e França. Esquece-se, porém, que tais países possuem uma solidíssima tradição democrática: os EUA vivem isto desde a fundação do país em 1776 ou até antes, enquanto a França desde pelo menos 1870, com uma interrupção relativamente breve durante a ocupação nazista e o governo do marechal Vichy. Estamos portanto num período de aprendizado e adaptação à democracia que, para nós, sempre foi algo estranho. Assim como um jovem de 29 anos, já vimos e aprendemos muita coisa na vida, evoluímos bastante desde a infância e a adolescência, porém, ainda somos jovens, não é possível comparar a sabedoria de um jovem de 29 anos com alguém de 80. Não podemos exigir do eleitor brasileiro, durante séculos acostumado ao mandonismo e autoritarismo da classe rica, totalmente alijado da política, que do nada se comporte de maneira exemplar, como se fosse extremamente acostumado e habilidoso nessa área.
    Mas nem tudo são coisas negativas: a meu ver, estamos indo muito bem, obrigado. A cada ano que passa, cresce cada vez mais a indignação contra os vícios do sistema eleitoral, e do próprio sistema político do país. Se antes a corrupção era algo normal, recebido com apatia por se acreditar que nada podíamos fazer e que não nos dizia respeito, hoje, qualquer real surrupiado dos cofres públicos provoca tempestades de ira popular no Facebook, Twitter, e muitas vezes desemboca em manifestações e quebra-quebra na vida real. Aqui na minha cidade,  estão a pôr fogo em ônibus velhos de 20 anos de idade quase que semanalmente, o povo já anda com álcool na mochila e, forçado por isso, a ANTT finalmente cedeu e vai abrir licitação de ônibus, coisa que jamais fez em 40 e tantos anos de apatia e resignação popular. Estamos bem longe da perfeição, mas as perspectivas são muito boas para nossa jovem democracia. É esperar para ver aonde vai dar isto tudo.

Eduardo Viveiros
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